Localizado próximo a Paris e símbolo do poder dos monarcas franceses absolutistas, o Palácio de Versalhes começou a ser construído entre 1610 e 1643 como residência rural para os períodos de caça do Rei Luís XIII da França. Com o tempo, a residência foi sendo reformada e aperfeiçoada, até que em 1634 tornou-se em um palacete. Sua transformação em um grande palácio de luxo e ostentação da realeza se dá a partir da regência de Luís XIV, conhecido como o Rei Sol.
Dotado de todos os poderes, Luís XIV governou a França entre 1661 e 1715 e é um dos grandes exemplos das monarquias absolutistas europeias. Foi durante esse período que o Palácio de Versalhes se expandiu para um grande complexo de construções e jardins, com mais de 67 mil metros quadrados, tornando-se a sede administrativa do governo francês, bem como local de festas da nobreza e da corte. Permaneceu assim durante quase 100 anos, até a Revolução Francesa. No século XIX teve partes transformadas em museu, mantendo também seu status administrativo e sendo palco de importantes eventos da história, como a assinatura do Tratado de Versalhes que terminou a Primeira Guerra Mundial.
Inscrito na lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco, atualmente o Palácio de Versalhes é um dos mais visitados pontos turísticos da França e do mundo, e tem em seus jardins a grande atração. Projetados por André Le Nôtre, contratado por Luís XIV, os jardins do palácio seguem a vertente francesa de paisagismo, a partir da simetria, da regularidade, da geometria e também da inserção de elementos como espelhos d’água e estátuas. Além dos jardins e do parque, o complexo do Palácio de Versalhes é composto pelo próprio edifício do Palácio, os Estábulos Reais e as Propriedades de Trianon, uma área projetada e ocupada por Maria Antonieta e o Rei Luís XV.
O palácio, com seus anexos, salões e cerca de 2.300 cômodos, abriga um enorme museu da história francesa e, muito recentemente, passou a abrigar também um hotel de luxo. O grupo francês Les Airelles, responsáveis por acomodações luxuosas nos Alpes franceses, Avignon e Saint-Tropez, inaugurou recentemente (com atraso de 1 ano devido à pandemia de Covid-19) o Airelles Château de Versailles, Le Grand Contrôle, um hotel instalado dentro do Palácio de Versalhes com 14 quartos, spa, restaurante próprio e visitas guiadas por partes restritas do complexo.
A proposta do hotel foi reformar o interior de uma parte do palácio, usando como referência a estética da nobreza francesa do século XVIII. O projeto de interiores é assinado por Christophe Tollemer, arquiteto francês que trabalhou junto de Emmanuelle Vidal-Delagneau, especialista em arte, artefatos e herança francesa. O resultado são espaços que recriam a ambiência da época e do Palácio, sem renunciar aos avanços tecnológicos do século XXI. Os cenários criados nas acomodações envolvem os visitantes não apenas em uma experiência luxuosa e exclusivista, mas também em uma vivência quase fantasiosa do passado.
Sob a perspectiva do reuso adaptativo, é interessante pensar que um edifício projetado, primeiramente, como repouso da temporada de caça da realeza, transforma-se ao longo de 380 anos em um museu, um hotel e um grande complexo turístico, passando antes disso por um longo período sendo sede administrativa do governo e servindo hoje tanto como espaço de lazer, quanto como espaço educativo. A trajetória do Palácio de Versalhes mostra como os edifícios conseguem se adaptar às condições históricas, políticas, econômicas e culturais da época, o que reforça a ideia de investir em reformas e remodelações de forma sustentável.
Por outro lado, a intervenção do hotel Le Grand Contrôle tem uma abordagem de arquitetura de entretenimento que parte de uma visão pós-moderna, a qual buscava passar o máximo de estímulos aos visitantes, com a intenção de se comunicar com seus usuários. O resultado é uma arquitetura quase cenográfica, uma vez que as acomodações não são restauros dos antigos quartos, mas sim projetos de interiores com objetos que fazem referência à época e ao local. A incorporação do hotel ao Palácio segue essa abordagem plural, que reproduz imagens e signos, trazendo um tratamento peculiar do espaço e do tempo.
Embora o hotel traga uma nova forma de ocupação e de uso desse espaço histórico, a proposta elitista, somada à abordagem arquitetônica de entretenimento, evidenciam que este continua um lugar para poucos. Ainda assim, a proposta de um hotel em Versalhes traz para seu usuário um tanto de história e cultura e também um tanto de fantasia e entretenimento, utilizando-se de um local fundamental na história mundial, principalmente ocidental, como pano de fundo para uma experiência luxuosa, singular e exclusivista.
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